A insistência do novo governo japonês em renegociar a presença de uma base de fuzileiros navais dos EUA na Província de Okinawa, arquipélago no sul do país, não ameaça a aliança militar entre os países. Mas, dizem analistas, representa um desafio ao padrão da relação bilateral estabelecido desde a ocupação americana, após a 2ª Guerra Mundial, caracterizado pela subordinação de Tóquio a Washington.
"Os EUA se acostumaram com o Japão obediente, se curvando à pressão e acomodando seus pedidos. O que [o premiê Yukio] Hatoyama quer é normalizar as relações", diz Jeffrey Kingston, diretor de estudos asiáticos da Universidade Temple em Tóquio.
Hatoyama assumiu há seis meses, após a vitória do seu Partido Democrata do Japão (PDJ), de centro. Foi a primeira vez no pós-guerra em que houve alternância no poder -exceto por oito meses em 1993, o Partido Liberal Democrata (PLD), de direita, comandava o gabinete desde os anos 50.
Na campanha, o PDJ prometera reabrir acordo de 2006, negociado depois que o estupro de uma menina de 12 anos por fuzileiros navais, em 1995, deu origem a um movimento em Okinawa pela saída dos quase 50 mil militares americanos.
O acordo previa o deslocamento da Futenma, base aérea em área urbana, para Henoko, distrito da cidade de Nago. Em troca, os EUA transfeririam 8.000 fuzileiros navais para Guam, possessão onde já têm presença militar.
A barganha foi mal recebida em Okinawa. Os EUA se negaram a fazer estudo do impacto ambiental em Henoko, e um grupo local venceu ação contra a nova base num tribunal de San Francisco (Califórnia), argumentando que suas pistas, a serem construídas sobre um recife, ameaçariam corais e dugongos (mamíferos marinhos sob risco de extinção).
A eleição do último dia 24 em Nago, com a vitória do candidato a prefeito que mais radicalmente se opunha à nova base, "foi o último prego no caixão" do acordo de 2006, diz Kingston. "Agora, EUA e Japão vão ter que trabalhar num plano B, talvez mantendo a base atual, mas usando para treinamento pistas de pouso já existentes em outras ilhas."
Neste sábado, marcha contra a presença militar americana reuniu milhares de pessoas em Tóquio. Um membro do gabinete japonês discursou à multidão e prometeu que a decisão final sobre o tema sai em abril.
Josh Rogin, especialista em Ásia da revista "Foreign Policy", diz que o governo Obama "demorou a se dar conta" de que a rotina de pressão americana seguida de concessão japonesa não se repetiria.
Primeiro, o secretário da Defesa, Robert Gates, foi em outubro a Tóquio para avisar que não haveria renegociação. Em dezembro, a secretária de Estado, Hillary Clinton, convocou o embaixador japonês para repetir o recado.
Só em 19 de janeiro, no aniversário de 50 anos do Tratado de Cooperação e Segurança nipo-americano, o secretário de Estado assistente para o Leste da Ásia, Kurt Campbell, anunciou viagem ao Japão, neste começo de fevereiro, para tratar do tema: "Não queremos parecer intransigentes".
Sem reabastecimento
Campbell, porém, "lamentou" o cumprimento de outra promessa do PDJ: a suspensão do reabastecimento, pela Marinha japonesa, de navios rumo à guerra no Afeganistão. O reabastecimento baseava-se em lei antiterrorista aprovada em 2001 que não foi renovada pela Câmara Baixa japonesa.
Em troca da suspensão, o Japão prometeu US$ 5 bilhões em ajuda ao Afeganistão, e há indicações de que obter mais dinheiro será a estratégia americana numa possível renegociação sobre a Futenma. O problema, afirma Kingston, é o mau estado da economia japonesa: "Será que em longo prazo o Japão poderá atender às expectativas americanas?"
A polêmica combina intransigência americana com falta de clareza japonesa, resume o professor. Para os EUA, haveria a alternativa de realocar os marines em Kadena, base de sua Força Aérea. "A área é enorme, mas a Força Aérea não quer um bando de fuzileiros navais estragando seu belo terreno."
Do lado do Japão, a demanda por equilíbrio é acompanhada pelo temor de um improvável abandono por parte do aliado. "Querem presença militar reduzida, mas não que a garantia de segurança seja afetada."
A rigor, os EUA poderiam reduzir efetivos no Japão sem enfraquecer sua capacidade de projeção militar no Pacífico, onde só no Havaí mantêm mais de 70 mil homens. "Estrategicamente, poderiam superar a ausência das bases, mas simbolicamente é importante continuar aqui", diz Kingston.
Fonte: Folha de S.Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário