sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Afeganistão "vota" em meio a corrupção, fraudes e ameaças

"A vida que eu levava no Afeganistão desapareceu, os talibãs destruíram isso. Meu marido, meus filhos, meus irmãos e eu fugimos para o Paquistão sem nada, sabendo que haviamos perdido tudo", diz Shahla Lalee, uma advogada afegã exilada em Sydney, na Austrália, que chegou a Cabul nesta semana pela primeira vez em nove anos.
Por Mar Centenera, para o jornal El Público, reproduzido do Rebelión.
Como ela, muitos habitantes da capital recordam com terror o regime talibã, mas a democracia que imaginavam quando o mulá Omar foi derrubado em 2001 tem pouco a ver com a violência, a corrupção generalizada e a discriminação que as mulheres continuam sofrendo no país que foi nesta quinta-feira às urnas.
"Me envergonho do governo corrupto que há no meu país. Se não fosse por minha mãe, que continua vivendo em Cabul, não voltaria nunca mais ao Afeganistão", continua Shahla. Os números lhe dão razão. Em somente quatro anos, o Afeganistão passou do 24º país mais corrupto do mundo para entrar no Top 5 do índice divulgado pela organização Transparency International .
A corrupção grassa também na eleição presidencial e provinciana de hoje. A inexistência de um censo impede de se comprovar a idade e o domicílio das pessoas que se registram e a organização afegã Fundação para Eleições Limpas e Justas (FEFA) encontrou provas de compra e venda de títulos eleitorais falsos em 20% das seções eleitorais visitadas
Alguns estudantes terão o privilégio de votar sem ter chegado ainda aos 18 anos. Outros eleitores podem, em teoria, votar mais de uma vez.
A maioria dos eleitores duplicados são mulheres, já que as os familiares masculinhos puderam inscrevê-las e obter seu título eleitoral sem que elas estivesse presentes, simplesmente ditando seu nome ao responsável. Como resultado, em províncias como a de Logar, 72% do eleitorado é feminino, um dado muito acima do real.
Os habitantes de Cabul estão muito agradecidos a Karzai por este ter devolvido a calma e a liberdade nas ruas após décadas de guerra e opressão. Mas a paz parecia ontem um paradoxo. Ruas desertas. Lojas fechadas. Policiais nervosos e armados até os dentes em cada esquina do centro de Cabul.
Os talibãs ocuparam um banco de Cabul e o tiroteio duraou por muitas horas, aumentando a tensão.
Apagão informativo
O Ministério do Interior informou primeiro a morte de três talibãs e três policiais, mas logo depois voltou ao noticiário para negar as mortes dos seus policiais. Por sua vez, o porta-voz dos talibãs advertiu que outros 15 guerrilheiros estão na capital, preparados para atirar.
Muitos afegãos só souberam dos ataques realizados nesta quinta-feira após o fim do horário de votação, às 20h locais. O governo ordenou, por decreto, um "apagão" noticioso sobre qualquer incidente violento "para não assustar aqueles que desejassem votar".
As Nações Unidas tentaram, sem êxito, levantar a censura. "As pessoas precisam acessar as informações, não somente no dia das eleições, mas também nos dias posteriores. A credibilidade destas eleições está diretamente relacionada com a informação à qual tiverem acesso", declarou à agência Reuters o porta-voz da ONU no país, Aleem Siddique. "Não está claro que base legal tem o decreto, quando a constituição afegã garante a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa", acrescentou Siddique.
A ONU também criticou os pactos oferecidos por Karzai a alguns dos senhores de guerra mais poderosos do país. Em troca de postos nos ministérios, o comandante de etnia uzbeca, Abdul Rashim Dostum, o tadjique Mohamed Qasim Fahim e o hazara Muhamad Mohaqiq aceitaram dar seu apoio e o das comunidades que lideram a Karzai, que é da etnia majoritária pashtu
Poder às províncias
Entretanto, vários diplomatas ocidentais reconhecem, de forma anônima, que os senhores de guerra podem ser mais perigosos para "obter a pacificação" do Afeganistão fora do poder que dentro dele.
"Karzai está sacrificando a Justiça para obter estabilidade e manter-se no poder", adverte Mir Ahmad Joyenda, do Comitê de Relações Internacionais do parlamento.
Joyenda reconhece que Karzai não controla grande parte do país e que, cedo ou tarde, terá de ceder mais poder às províncias, "mas não a criminosos. E tampouco prematuramente, porque a corrupção dispararia".
Shahla está de acordo: "É muito difícil imaginar no poder pessoas que eu considero assassinas. Não acredito que possam ser convertidos em democratas. Por isso prefiro viver fora do país. Prefiro não ver isso".

Nenhum comentário:

Postar um comentário